Havia também naquela praia, a certa distância dali, não mais que
cinquenta ou cem metros, uma menina que dançava sobre a areia. Parecia-lhe que
o vento ministrava a música que ela sutilmente coreografava, pois a cada leve morno
soprar, seus braços se lançavam com delicada desenvoltura para a
esquerda e para a direita, acompanhados do mover de seu tronco, coberto de um
vestido que mesclava cores quentes e vibrantes, vermelho e amarelo, e do balançar
de seus cabelos vermelhos amarrados por uma fita preta e enfeitados por um
lenço de seda vermelho, de cor tão vivaz como a rosa que estava entrelaçada por
entre os fios de sua rubra cabeleira. Junto aos assobios da brisa marítima que
soprava, ecoavam notas de música entoadas por sua voz juvenil. Era uma bela
criatura jovem e bonita, nem menina, nem mulher. Madura e formosa demais para
ser criança, singela e ingênua demais para ser mulher. Seu canto se confundia
com o sopro do vento e o coro das gaivotas, abafados pela agitação das águas.
Enquanto isso, Davi, que havia passado horas a fio deitado sobre a areia úmida, com a cabeça apoiada em seu braço
direito e o corpo estendido a fim de proteger o castelinho de areia das
investidas do mar ou do vento fresco e litorâneo, contemplando cada detalhe da
construção erigida por seu novo amigo Jacó, e criando em sua mente imaginativa
histórias envolvendo castelos, reis, rainhas, cavalarias e dragões.
Reposicionou seu corpo sobre a areia que
se aquecia cada vez mais, posto que o Sol
já havia passado do centro do céu
fazia uma ou duas horas.
Deitado
em decúbito lateral, de frente para o mar, de costas para o castelo, seus
olhinhos castanhos entreabertos pesavam de sono, fome, sede e cansaço, mas isso não o impedia de
contemplar o mar com um sorriso estampado no rosto, enquanto sentia a água
morna e vespertina banhar-lhe o corpo e rosto em suas incontáveis idas e vindas
do oceano.
A brisa que refrescava sua pele e bagunçava seus
cabelos trazia para o pequeno garoto uma leveza que lhe acalentava corpo e
alma.
Pôs-se sentado na areia
novamente para que ao mar admirasse melhor. Coluna ereta, pernas dobradas em
posição borboleta, até que uma voz rubra a sua direita roubou-lhe a atenção e
fascínio, anteriormente voltados para o oceano.Viu de relance a moçoila a
cantar e dançar com seu timbre angelical e corpo esguio e elástico coberto com
suas vestes coloridas, a seguir as notas
entoadas por sua voz doce, fresca e branca como uma bruma matutina. A menina,
ao passo que cantava, bailava à beira do mar, lançou os braços para
trás,contorcendo o próprio tronco,
modelando o corpo em formato de ponte, para que suas mãos tocassem a
areia umedecida pelas águas e ela pudesse sentir o mar passar por debaixo de
seu corpo, enquanto as ondas molhavam-lhe os cabelos. Ao terminar sua magnífica
performance , seus olhos encontraram os de Davi, que assistiu a toda a cena
maravilhado. Por um instante, ela pôs-se novamente de pé, voltada para o mar, e lançou seu olhar rubro
de jovem cigana vem direção a ele, fitando-o por cima do ombro, através de seu
olho desaforo e seu nariz arrebitado. Ele retribuiu o olhar com um sorriso
tímido, em contraste com a a áurea exuberante da moça que acabara de conhecer.
Ela apenas se virou, mas ela mesma virou os olhinhos. Em seguida, retomou seus
passos de dança, como se ninguém a ela assistisse. Mas, de relance, Davi a tudo
observava, admirado com tamanha maestria e desenvoltura daquela dançarina que
cativara sua atenção. A distância, a jovem bailarina seguia coreografando os
sons da natureza que compunham aquela tarde azul, mesmo quando Davi desviou sutilmente
o olhar para o Sol, cuja luz de veludo tocou-lhe a pele pueril e acariciou-lhe
os cabelos. No canto do cisco do seu olho, no canto do seu olho, a menina ainda dançava,
e dentro da menina de seus olhos, os quais se fechavam com o toque da luz solar,
ela ainda dançava. Ainda que seus olhos se fechassem, a menina ainda dançava
dentro da menina de seus olhos, bailando no fundo da sua retina até que o Sol
anunciasse sua despedida pouco a pouco, pondo-se por trás do ombro daquela jovemcigana,
em cujo nome, que traduzia sua beleza e encanto, estava tatuado em seu ombro esquerdo em delicadas quatro letras: Rubi.