Castelo de Areia

Brisa de outono, sopro vespertino,
Areia morna, luz baixa do crepúsculo
A solidão desértica me torna minúsculo
Sobre o sal das ondas revela-se um menino.
 
Nome de águia, cabelo de milho,
Mergulhou na areia, pôs as mãos em terra,
Nas areias do tempo, que aos olhos cerra
Modelou-se como barro, de irmão a filho.
 
Corajoso como um rei, num cavalo belo
Surgiu do horizonte, ao Sol alinhado
Um pequeno infante, o meu filho amado
E na areia fina edificou-se um castelo.
 
Majestosas torres, muro resistente ao vento
No âmago de minh’alma o castelo se erigia
Embora em nossas veias mesmo sangue não corria
Os pilares se sustentavam no mais puro sentimento.
 
Noite sem luar, chorava amarga a maré fria
O sal de suas lágrimas ao castelo desmoronava
Nas areias do tempo o seu sonho sucumbia
Análogo ao poeta, que outrora o pai abandonava
E num castelo de areia sonhou ter sido pai um dia.

Translúcido

Foi numa tarde alva, de alvas nuvens frias
Ouvindo uma língua que mal conhecera
Magro, alvo e canhoto eu percebera
Que o traria na brancura dos meus dias.

Em ti me fez retrato, em fé e razão
Tua singeleza nívea de uma criança
Era o espelho do que eu fora na infância
Fiz de ti minha imagem e meu próprio irmão.

Fraternidade cândida eu achara
Assim se alvoreceu o sentimento
Asseado diamante, uma joia rara

Porventura levo-a a qualquer momento
Desde a brisa desta manhã tão clara
Ao dia em que me desfarei ao vento.

Quatro


Vozes velozes que na mente se calam
Rude cansaço contra meu corpo grita
Mas o sussurro do beijo aveludado
E o amor traduzido em abraço apertado
Palavras fraternas à minha alma aflita
No cair da noite de verão me falam.

Amizade ardida ao peito traz carona
Amizade em quatro rodas construída
Amizade trazida da infância ao sangue
Cartas, raquetes, mesas e bumerangue
Segredos, livros, tatuados em minha vida
Que o perfume do silêncio traz à tona.

Quarentena

O vento que assobia agora na janela

Lembra-me a maciez do timbre da voz dela
O silêncio que canta às seis seu estribilho
Ecoa a timidez do riso de meu filho
A luz que saboreia o rubro da romã
Traz-me o vermelho do cabelo de minha irmã.

Cortinas ensurdecem o céu sem lua, em luto
Enegrecem o chão frio da sala onde me escuto
Cantar louvores, dissabores e outras cores
Colorirem a pálida porta em sons de flores
Ou de retratos que me tragam à lembrança
Os dons em mil tons da ternura de minha infância.

A tristeza dos lençóis aos meus pés conforta
E ao teto pincelado em natureza morta
Meus braços e abraços outrora já esquecidos
Meus lábios saudosos se beijam estremecidos
Repousam as sombras dos dias que me deixam
Calam as horas de meus olhos que se fecham.