Você e que exército?


Venha, venha,
Você acha que me enlouquece?
Venha, venha,
Você e esse exército!
Você e seus amiguinhos!

Venha, venha,
Sagrado Império Romano,
Venha se você acha,
Venha se você acha,
Que você pode conosco,
Que você pode conosco.

Você e esse exército?
Você e seus amiguinhos?
Você se esquece tão fácil...

Cavalgamos esta noite
Cavalos fantasmas.

por Thomas Yorke (Radiohead)

Pequeno homem sendo apagado: Quarta parte (final)

Sentiu uma tremenda dor, que se alastrou por todo o corpo. Rolou pelo chão, gemendo.
- Não se preocupe, ficaremos bem. – cochichou olhando para o corpo do amigo
A sensação era semelhante à de vários choques elétricos sucessivos. Sentia também como se várias agulhas já tivessem sido injetadas em seu corpo antes. Suspirou.
Começou a ouvir vozes: “Calma, meu filho, vai dar tudo certo.” “Tenha paciência, senhor, ele vai ficar bem”.
- O que será isto? – sentiu-se incomodado – Parem de gritar! Quem está aí?
O rapaz tentava levantar-se em vão. Todas as imagens em sua volta começavam a sumir aos poucos. “O que está havendo”? Perguntava-se. Fixando seu olhar no casal Luan chorou. E num piscar de olhos tudo em sua volta sumiu de vez. Luan, naquela noite, nunca havia se sentido tão bem quanto naquele instante; mas por pouco tempo.
“Vamos, Juan! Acorde, meu filho!”
- Pai? É você quem está aí? – perguntou o rapaz surpreso
Não se ouviu resposta. O silêncio e a escuridão predominavam. E foi rompido com um choque elétrico contra seu peito e um grito. Tremeu. Sua respiração cessou. Lentamente seus olhos se abriram. Ele estava agora deitado sob a cama de um hospital, ligado a vários aparelhos. Vários médicos. Seu corpo, dolorido. Seus olhos, cheios de lágrimas. Seu pai, aos prantos. Abraçando-lhe a mão contra o peito, vestido com um simples casaco vermelho.
- Juan, saiba que teu pai aqui te ama.
- Senhor, ele perdeu muito sangue, por isso acho que...
Lentamente as palavras embaralhavam-se na mente do filho, não conseguia mais respirar e seu coração batia cada vez mais devagar...
Uma mulher o observava em silêncio, como se estivessem ali apenas eles dois.
- Quem és tu, bela dama, que no vago do silêncio me observa, e fitando-me com teu olhar me paralisa, fazendo-me transpirar e viajar pelo mais distante infinito? – disse-lhe Juan cerrando os olhos cansados, movendo apenas os lábios...

***
4º dia
Juan acorda, ainda naquela cama. Todas as dores, a agonia, a tristeza... Todas elas sumiram com o vento. Levantou-se. Já não havia mais aparelhos que o impedissem de fazê-lo. Caminhou observando tudo em sua volta. Ninguém por perto.
- A quem procuras, amigo? – soou uma voz
- Quem está aí?
- A chave da fechadura da tua porta... Sou a tua face enquanto dormes... Somos amigos até a morte.
- Luan? – admirou-se ao olhar para trás.
- E qualquer caminho que tomes, estarei lá, abrindo o teu crânio, estarei lá, subindo pelas paredes.
Sim, era Luan. Sorrindo, Juan aproximou-se e o abraçou. Abraçou forte aquele que sempre esteve ao seu lado. Seu melhor amigo. Seu eterno amigo: Luan, seu subconsciente.
E juntos retiraram-se.
Sem pressa.
Sem dor.
Sem medo...
Agora sim. Tudo corria bem. Já não se podia mais provar do fruto proibido. Sim, aquela maçã: o pecado. O amor!
Não havia mais nada a temer nem a duvidar.
***
Chovia forte. Eram cerca de quatro e meia da tarde. Ruth caminhava pacientemente segurando seu guarda-chuva vermelho. Ao passar por um poste comoveu-se. Um homem estava ali. Trajava um simples casaco vermelho, pés descalços, calça jeans. Tremia com o frio.
- Senhor, o que fazes aí?
- Juan... Juan...
- Venha comigo, eu posso ajudá-lo...
- Por que, Senhor? Por que você fez isso? - falava ele baixinho
Ruth, sentindo muita pena, imediatamente o socorreu. Pegou-lhe a mão. Resolveu levá-lo ao hospital mais próximo. A moça o conduzia. O pobre indivíduo apenas cochichava.
- Juan... Juan... Te amo... Meu filho.

Pequeno homem sendo apagado: Terceira parte

3º dia
Terça-feira pela madrugada. Juan já não estava no mesmo lugar. Acordou pensativo. Tinha vontade de voltar para casa. Abraçar seu pai. Fixar seu olhar mais uma vez no retrato de sua falecida mãe. Beijar novamente Clarissa... Ah, como ele desejava tudo isso! Era angustiante não poder fazer nada do que desejava naquele exato momento. Como se sentia infeliz! Se naquele instante ele tivesse uma arma em mãos, certamente cometeria uma loucura. Sentado no chão arenoso observou por alguns minutos as poucas estrelas contidas naquele céu sem lua daquela madrugada mórbida. Ouviu-se um ruído? O que seria? Não seria um ser humano, pensou. Resolveu continuar ali sentado, imóvel. Porém os ruídos o deixava inquieto. Levantou-se e pegou uma pedra. Sentiu-se mais seguro. O barulho se aproximava, deixando o jovem mais nervoso. Juan logo distinguiu: Era um rugido... Semelhante ao de um predador bastante faminto. E agora?
Resolveu o rapaz permanecer imóvel, esperando a aparição do animal.
- Apareça, maldito! Você me quer? Então venha, porra, e acabe comigo. Eu estou esperando!
Inesperadamente um lobo atacou-lhe pelas costas, mordendo-lhe o ombro. Juan berrou alto. Esforçou-se para alcançar a pedra que ele derrubara ao ser surpreendido. Conseguiu. O rapaz, usando a rocha, golpeou o canino na face. Juan conseguiu erguer-se e se afastar. Cambaleou. Sentia-se fraco, uma presa fácil. Olhou fixamente nos olhos daquele ser, que estava extremamente esfomeado. Nem se podia imaginar o quanto. Sua saliva escorria por sua mandíbula, descendo à ponta da língua, gotejando até chegar ao chão. Extremamente trêmulo, o jovem afastou-se vagarosamente. Atirou a pedra; esta acertou em cheio o focinho do lobo, que latiu de dor. Juan resolveu correr. O morro onde ele estava era extenso e não era muito alto. Porém possuía poucas árvores, deixando o lobo em vantagem. Correu. E o lobo atrás dele. A cada latido ouvido Juan acelerava mais ainda. Não havia tempo nem para pensar. Ao perceber que estava sozinho Juan parou de correr. Desta vez ele escutou um berro. Não era de um animal qualquer. Era de um ser humano. Um ser humano familiar para Juan.
- Clarissa?!
- Socorro!
Sim, era ela. A moça que Juan mais amou em toda a sua vida. Onde está ela? O que está acontecendo a ela? Novamente Juan tornou a correr, à procura de sua amada.
- Juan! Onde está você?
O grito de desespero. O coração do jovem estava a mil! Pôs-se ele a chorar. Mesmo sabendo que esta não era a melhor solução.
- Clarissa!
Ele percorria o morro por todos os cantos, mas nenhum sinal visível de Clarissa. Já não sabia mais o que fazer.
- Juan! Calma! Vai dar tudo certo. – soou uma voz pacífica
Luan estava atrás dele. Em pé sobre uma rocha.
- Desgraçado! - berrou Juan batendo as mãos fechadas no peito do amigo. – Onde está Clarissa?
- Como você não sabe? – gritou furioso
- Juan. Vai dar tudo certo. Confia em mim. A única coisa que posso fazer por você é orientá-lo.
- Juan! Me ajude! Eles vão me matar!
- Vamos, garoto! O grito da moça vem daquele lado. Corra! – disse Luan apontando para o seu nordeste.
Luan estava certo. À medida que Juan corria naquele sentido, os berros eram ouvidos em intensidade maior. E finalmente a moça foi encontrada. Quase nua. Três lobos a atacavam. Porém, desta vez foi diferente. Eram lobos mais ferozes, mais vorazes. Pareciam estar endiabrados! Mas não havia tempo. Logo arrancou um galho de uma das poucas árvores contidas naquela região e avançou sem medo. Os três animais perceberam a presença do inimigo e resolveram atacá-lo. Lentamente eles aproximavam-se. Olhos avermelhados, pêlo cinzento, dentes afiados. Entretanto, antes que pudesse fazer algo, Juan sentiu-se mal, zonzo. Mais uma vez. Tudo parecia girar. A ferida do seu braço doía mais. Caiu de joelhos e respirou fundo. Olhou para os lados. E lá estava Luan novamente. Sentado sobre uma pedra, observando tudo pacificamente.
- Calma, meu amigo. Vai dar tudo certo.
- Desgraçado! Por que fica aí, sentado, olhando nossa desgraça? – chorou mais uma vez.
- O que eu podia ter feito já fiz, meu caro. Antes mesmo de você me encontrar... Frente a frente.
Pobre Juan. Não estava entendendo mais nada. Nada parecia fazer sentido. Fechou os olhos. Ao abri-los notou algo extremamente estranho. Os lobos eram agora seres humanos! Assustado, arrastou-se para trás.
- Desistiu de brigar, valentão? – disse um dos três homens
- Por que vocês fizeram isso a ela? – soluçou Juan
- A culpa é de vocês! Nada estaria assim se vocês tivessem feito apenas o que pedimos. – disse o primeiro homem
- Onde estão o Pedro e a Ana?
- Um dia você vai reencontrá-los, mas não nesse mundo.
Essa frase ecoou na mente do pobre rapaz. Parecia um pesadelo. Estava difícil distinguir o real do imaginário. Tudo aquilo parecia estar realmente acontecendo. Mas se fosse tudo imaginação? Um terrível pesadelo, quem sabe...
O segundo homem olhou nos olhos de Clarissa, que trêmula observava tudo. Aproximou-se da moça, puxou-a pelo braço e depois a empurrou, esta que caiu próxima ao amado. E disse:
- Vamos, doçura, dê adeus a ele. Daremos a vocês o direito do último beijo.
Lentamente os lábios se aproximaram, e simultaneamente as lágrimas escorriam em suas faces. Mas este não era o fim que Juan desejava. Havia ele avistado uma pedra de tamanho e massa suficiente para ao menos desmaiar um deles, caso acertasse-o na cabeça. E assim foi feito. Enquanto o casal se beijava, Juan rapidamente esticou o braço, apanhou a pedra e a lançou, acertando em cheio a testa do primeiro homem, que caiu desmaiado no chão.
- Ingrato! Permitimo-lhes o último beijo e você agradece desta forma. Fim de papo. Comece a rezar. Você será o primeiro.
- Não! Por favor, deixe-o vivo! Por tudo que é mais sagrado! – implorou Clarissa
- Cale-se! – gritou o segundo homem dando-lhe um tapa a face – Isso é o que vocês recebem por mexerem com a gente. – e retirou do bolso um revólver
- Deixem eles aí. O choque emocional em que eles se encontram não vai permitir que eles lembrem dos nossos rostos. Já fizemos demais. – disse o terceiro homem
- Se não quiser assistir à cena vá embora. Aguarde-nos no carro roubado.
E assim foi feito. O terceiro homem retirou-se sem olhar para trás, levando consigo o homem que fora atingido por Juan.
- Será que aquele simples Celta preto valia tanto? Pensei que quatro vidas não tinham preço, mas já que vocês pediram... Antes de matá-los quero que saibam meu nome: Francisco. Vosso carrasco. À pedido de meu amigo Marcelo deixarei a mocinha viva.
Logo ele apertou o gatilho, ecoando o estrondoso barulho dentre os morros.
- Clarissa, por que comeste do fruto proibido? – lamentava Luan, que apenas observava.
- Clarissa! Não! Por que você fez isso, meu amor! Por que não me deixou morrer?
A moça se colocara na frente do amado. O tiro acertou em cheio seu seio esquerdo, bem próximo ao coração.
- Maldição! Garota estúpida! Eu ia te deixar viva! Perdoe-me, meu caro, mas cumprirei o prometido. Adeus. Sangrarás até a morte!
E foi dado o segundo tiro, que acerto no ombro de Juan. Imediatamente Francisco retirou-se correndo em direção ao carro roubado, no qual ele partiu velozmente.
- Agora somos um só, na mais eterna paz... Te amo, Clarissa.
A doce jovem respondeu-lhe com um sorriso. Juan deitou-se e pôs a cabeça da amada sobre seu peito. E fecharam os olhos.
Luan entristecido aproximou-se, atirou-lhes uma rosa vermelha e partiu. Dentre os dois morros Luan, Clarissa, Juan, a rosa... E uma maçã escarlate, nas mãos de Clarissa.
Luan caminhou alguns metros... E caiu...

***

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