Amor daltônico

Dê-me o verde maduro dos teus olhos
Para que eu ofusque o frio do céu cinzento
Com o negro de teus cachos coloro o vento
Com a água dos teus lábios aos meus molho.

Co’a vermelhidão de tua face nua eu me aqueço
E na brancura dos teus pés úmidos me deito
Na pequenez desses pezinhos me deleito
Na brandura de teus beijos estremeço.

O bálsamo destilado de teu hálito respiro
No azul de tuas mãos espalmadas eu navego
E à candura de teu sorriso ressoado eu me entrego
Banhado pela mirra de teus dedos eu transpiro!

Diego

O sal que sai do sol solda minha pele
Camuflada por passos, vozes e dióxido de carbono
Sorrio. Dentes brancos, pretos, amarelos
Quanto dente torto, meu Deus! Me exclamam os carros.
Mas meu sorriso frouxo nem responde nada.

Moedas caem de medo, moedas vêm em segredo
Titilam, brilham, gritam!
E o vermelho se faz verde,
E no verde da grama deito
E lembro que todos os dias eu sou esquecido.

Minha identidade está em minhas mãos,
Banhadas de teu doce açúcar,
De meu açúcar amargo,
De tua carne vermelha
Salgada pelo suor
De minha carne crua e encardida
Vendida a centavos
Que meus dedos já não podem mais contar.

O vidro que te esconde fez-se espelho
Mostrou a minha cara, a cor de minha fome
Do cinza das nuvens fiz meu teto,
Do pano sujo que carrego fiz meu nome.

Sina

Secou de minh’alma de esperança a folha última
Meu amor abrasado fora transformado em matéria bruta
Meu verbo inflamado, a pulmões deflagrados, hoje emudecido
Meus pés molestados desenham fraquejados um caminho esquecido.

Meus ouvidos bebem o escorregadio gotejar das estalactites
Minhas mãos entorpecem com o frio definhar das minhas artrites
A escuridão cresce e tece, a meus sonhos padece em canção esquecida
É a solidão que esbraveja, me beija e deseja o meu sopro de vida!

Divã

Diva!
Vida...
Dádiva vívida!
Ávida!
Vivida...
Dividida?

Vadia!

Sal

Correm contra meu sorriso os vis ponteiros
Caem sobre o chão cartas, cabeças e travesseiros
Malas se trancam, guardam lembranças, guardam você
Malas que passam, malas que descem, malas que calam.

É o adeus que nasce,
É a madrugada que cresce,
E a ansiedade reproduz-se,
E meu coração envelhece,
E a solidão,
E o silêncio,
E os suspiros,
E a saudade
Esses nunca morrem.

O sorriso sim.

Rua vazia que chora, já dizia a canção
Dos carros que transitam pelo trânsito sem transição.
Madrugada monótona.

Já se ouvem os pássaros,
Já se ouvem os passos,
Passa, passa, passaporte!
Sussurros sonoros.
Sílabas surdas.

Soluçaram-se as lágrimas do adeus indigesto
Suas mãos já destilam do sofrimento o excesso
Cai! Cai! Cai da órbita de seus olhos
Saudade insípida, saudade amarga
Saudade incolor, saudade cinza
Sal. De saudade.