Fitter, Happier




Faz hoje quinze anos que nasceu um nome para a prosa. Um apelido para a poesia. Há quem diga que quinze anos é uma coleção de ponteiros um tanto quanto prematura para o nascimento de um poeta, a ponto de provocar do silêncio um riso ou das mãos espalmadas um espanto. Mas é verdade. Uma das poucas positivas que já conheci. E foi no ano de dois mil e quatro que, acidentalmente em jogos de pedras e cartas, de duas até então crianças, nasceu uma grande amizade. Foi quando descobri o nome da prosa. O apelido para a poesia.

Gustavo Caio, se chamava (creio eu que ainda se chame). Seu nome foi um motivo pelo qual me despertou uma pontinha de inveja. É um nome duplo. Eu, desde pequeno, sempre quis ter um nome duplo. Pena que esse tipo de coisa nós nunca decidimos. Um moleque franzino, com um olhar atento, branco como um pino de boliche (eu não pude evitar), me parecia ser um garoto legal. E de fato era. De início, eu o via como um moleque qualquer, com um nome duplo qualquer, morador recente de uma cidadezinha qualquer, advindo de uma outra cidadezinha qualquer, no pulmão de Alagoas (as pessoas sempre falam ‘no coração’, tem que haver uma inovação, não é mesmo?). Arapiraca é o nome dela. Nome engraçadinho, por sinal.

Perdidos entre vogais e consoantes, após alguns meses nós descobrimos a filosofia. Uma filosofia barata, tão passatempo quanto um pacote de bolachas Maria. Mas era filosofia. Àquela altura, eu já possuía meus quinze anos e ele seus onze. Tornamo-nos primos. Ele ainda era uma criança. Eu não. Não cronologicamente...

Dividimos nós seres humanos em castas, de acordo com sua massa encefálica utilizada. Os normais e os anormais. Alegávamos sermos anormais. Não. Não nos considerávamos nenhum X-Men, apenas nos víamos com um raciocínio um pouco mais lúcido que o das pessoas comuns.

As tardes de RPG dominaram nossos fins de semana por dois meses. Eu era o mestre. Ele era um vampiro. É só parar um pouquinho para perceber que os personagens não se tratavam apenas de personagens. Eram as personalidades de cada um que estavam ali refletidas em um joguinho bobo. Gustavo sempre foi um garoto misterioso, com um olhar bem analítico sobre toda e qualquer situação. Um olhar frio e calculista. Como um vampiro.

Nossas linhas de pensamento sempre foram fantásticas. Aos poucos fui percebendo que ao meu lado já não estava mais aquele moleque pálido e franzino de até ali um ano atrás. Ali cresciam juntos dois pensamentos, duas personalidades distintas, numa única amizade. Foi quando disparamos anos no tempo, apenas sentados por algumas horas numa humilde escada. Literatura. Cinema. Filosofia. Mulheres. Religião. Amizade. Os assuntos encadeavam-se no tempo, e em nossas mentes. As idéias fluíam e fluíam sem parar. E bem ali crescíamos e crescíamos sem parar. De variadas formas.

Criamos cada um seu blog. Dei a iniciativa, e alguns meses depois ele aderiu à idéia. Eu ia me envolvendo em poesia pirata, e meu grande amigo optava por se esconder entre as coxias e o palco. E fomos trabalhando com nossas palavras, estas que foram nos construindo constantemente. E imperceptivelmente.

Inesperadamente a música nos abraçou. Esta já não nos serviu como uma escada. Mas como um elevador. O Radiohead surgiu como um colírio de lucidez para nossos olhos cansados, e nos fez crescer mais eficientemente que biotônico fontora. A música se tornou prioridade em nosso discurso, passando a ser sujeito, verbo e predicado.
Amávamos o ridículo. O bizarro. As situações mais inusitadas e grotescas eram as nossas favoritas. E elas teimavam em acontecer nos nossos dias. Não, nós não a procurávamos. Atraíamo-las, apenas isso. Optarei por não contar, porque aos olhos da platéia, parece até mentira. Parece até teatro.

O teatro. Ah, o teatro. Este foi como um sonho que não saiu do papel. Os ensaios com a galera eram divertidíssimos, mas não passaram de ensaios. Infelizmente.

Sem nenhum motivo muito explicável (se é que houve explicação), fomo-nos afastando. A amizade permanecia ali. Concentrada em infinitos dígitos atirados ao MSN e Orkut.
Após um ano meramente afastados, nasce a idéia de um livro. Não um livro qualquer. Um livro inovador. Estava ali a poesia pirata entre as coxias e o palco. De certa forma, havia entre aquela dupla três pensamentos. Gustavo. Rafael. E Gustavo-Rafael. É só parar para analisar. Fui me empolgando com essa idéia. Seria no mínimo uma honra dividir um espaço literário com um gênio. Nossas idéias foram-se assimilando, e uma intersecção de todas elas em um livro seria algo fabulosamente inexplicável. Eu, até hoje, não me recordo de nenhuma dupla de escritores, citados em união. Quem sabe um dia sejamos os primeiros...

Então aqui vou encerrando minha homenagem a este grande amigo. De longe, um dos melhores que tenho. Um cara por quem possuo imensurável admiração. Em diversos aspectos. Um primo. Um amigo. Um irmão, quem sabe. Às vezes somos como espelhos paralelos, em infindável reflexão.

Parabéns, meu velho. Parabéns por mais um ano de vida. Apenas mais uma porta para dezenas mais. Parabéns pelo seu aniversário. Parabéns por ser você. Não é um feito qualquer.

Aqui seguimos lado a lado. Mais em forma. Mais felizes. Mais sanos e produtivos. Enjaulados. Como porcos. Sob antibióticos.