Primogênito

Foi na flor dos meus vinte e sete anos

No coração de uma sala de infantes

Que enxerguei num fragmento de instantes

Quem desviou de órbita os meus planos.

Bendito és, fruto do materno ventre

De meu sangue não lhe cedeu genética

Ainda assim nos comungou em estética

Como fosse minha a paternal semente.


O pequeno olhar daquela criança

E o cabelo recaído em sua fronte

Enlaçou-me alma e espírito e fez ponte

Com as matrizes da minha velha infância.


Tal aliança de inconfundível brilho

Na fé tem sua força; no amor, conselho

Pulsa em paralelo, tal qual espelho 

Na história o tempo tornou-nos pai e filho.


Na aurora dos dias, em mãos e braços

Não o carreguei, tampouco vi andares

Mesmo crescido, enquanto caminhares

Até que eu expire terás meu abraço.


Felicidade Clandestina

 
A tarde azul era cheia de graça
Bem como ao nome que a ti se escolhera
Azul também era tua roupa na praça
No dia em que a gente se conhecera.

Pouco sorriso, mas nem tanto o siso
Dos primeiros encontros que tivemos 
Em casa do irmão, repartindo risos
Que afloraram enquanto convivemos.

Três de novembro ao altar vos levei
À luz dos anos família eu vos fiz
Mar de cristal convosco velejei
Até o mal atingir nossa raiz.

Sou em tuas mãos o sangue inocente
Quem mal dito foi sem sequer dizer
Chorando mudo o silêncio à tua frente
Palavras que feriram sem doer.

Versos que vos fiz jazem esquecidos
Nas entranhas das areias do tempo
Memórias, fotos e abraços queridos,
Sepultados sem nota de lamento.

Teu seco silêncio amargo atordoa
O som do que não disseste ainda ecoa
Em proporções tais sobrenaturais
No grito de minh'alma ele subsiste
Dentro de mim o silêncio ainda existe
Onde tu, irmão, não existe mais.