O espelho - Capítulo 7: A torre e o relógio

E naquele céu recém amanhecido, as lindas borboletas o carregavam, bailando juntos por aquele azul tão límpido. Para onde ia, David não fazia idéia. Mas, naquele instante, pouco importava. Voar sempre foi seu maior sonho. E se realizava ali. Sob as nuvens.

A brisa suave daquela manhã o beijava e abraçava, carregando no colo o jovenzinho junto às amigas borboletas. Tal qual mãe e filho. Como é fascinante não sentir os pés tocarem o chão! Quem sabe David tivesse medo de altura, mas seu espírito estava em tal êxtase que quaisquer medos foram derrotados ali. No ar. Entre as borboletas.

Avistava-se dali uma torre. A poucos metros. Hectômetros, digamos. Bem poucos. Uma torre alta. Ao estilo medieval. De pedra, com detalhes preciosíssimos em ouro envelhecido, que, ao toque da luz solar, mostrava-lhe o brilho a distância. Ao seu redor havia diversas árvores cuja espécie não sei descrever. Só sei que eram árvores. Possuíam folhas bem verdes e compridas, e ao redor do tronco formavam um belíssimo cone. Ainda que maravilhado, David captava cada detalhe do ambiente sobrevoado. Por ali não havia casas, não havia ninguém. Só uma criança. As árvores. E as borboletas. E, claro, a torre do relógio. Como quem quisesse dizer algo sem utilizar palavra alguma, David estendeu o dedo indicador da mão direita, apontando para a torre. As borboletas atenderam, e num impulso mágico passaram a carregá-lo em espiral, cortando o ar daquela manhã tão verde e azul.

Chegaram à torre. Antes de pousarem, pararam diante dela por curtos instantes. Frente a frente. O relógio. O menino. As borboletas. David entrou em um breve estado de cogitação. Os ponteiros caminhavam em círculos, um mais rápido que o outro. O dos segundos era o mais apressado. O dos minutos aguardava a cada minuto um novo passo. Já o das horas? Nem se percebia movimento algum. Minuciosas frações de tempo passadas, o jovenzinho teve uma idéia. Desejava fortemente parar o tempo. O ponteiro dos segundos o inquietava. Por que tanta pressa, meu Deus? Perguntava a si mesmo. Subitamente se deu conta de que seu envelhecimento depende dele. Sim, dele. O tempo.

Entraram na torre. Sob o grandioso relógio, havia duas janelinhas de vidro adjacentes, com detalhes de ouro em suas bordas. As borboletas o deixaram ali. De pé sobre o parapeito. E se foram, como se seu objetivo fosse deixá-lo naquele lugar. Ainda que ali houvesse janelas, na parte interior da torre predominava a escuridão. Próximo às janelas estava uma vela. Fincada a um elegante candelabro, anexo à parede de pedra. David a retirou. Todavia, a vela estava apagada. Como conseguiria ele acendê-la? O pequeno, com o objeto entre as mãos, apreciou-o por uns instantes, intensamente concentrado. Encheu-lhe os pulmões de ar, e num sopro brando... A vela acendeu!

Entre um breve sorriso e um primeiro passo, o garoto observou superficialmente tudo o que estava à sua volta. Banhado pela luz da vela, e por alguns raios que ali invadiam, o pequenino passeava sem destino. Após não muito caminhar, encontrou uma escada. Sombria. Estreita. Mas era só uma escada. Foi descendo, sem pressa. Chegado à parte inferior, olhou para todas as direções e sentidos. Caminhados poucos passos, avistou uma porta de ferro, protegida por uma grade de aço. Na grade, não havia cadeados. A porta. Nem estava trancada.

Empurrou de leve, como estivesse com nojo de toda a poeira que à porta cobria. Ela era pesada. Aplicou-se mais força, desde então. E assim ela foi-se abrindo. Devagarinho.

- Tique-taque... Tique-taque... Tique-taque... Tique-taque... – dizia em voz alta aquela sala.

Erguendo as mãozinhas fechadas, com apenas o dedo indicador estendido, David sentia-se aos poucos um maestro em meio àquela orquestra de sons metálicos. Deparou-se com um corredor. Aos seus arredores uma grade, que lhe alcançava a testa. Fosse ele um adulto, mal passaria ela de sua cintura. Lá estavam todos os instrumentos. Incontáveis parafusos e engrenagens em movimento sincronicamente perfeito. Dizer que a música era linda era uma ofensa. Os metais em atrito criavam sons excepcionalmente singulares, jamais ouvidos até então. A escuridão foi deixada de lado, pouco a pouco. Os sons faziam David enxergar melhor que suas retinas, lentamente cobertas por um par de pálpebras cansadas. David apagou vela num suave assopro. A luz já não lhe servia mais. Cada nota musical o guiou por cada passo. E dançou. E pulou. E rodopiou. E cantou. Quando menos se esperava, o garotinho, caminhando sobre as engrenagens, maestrava a fabulosa orquestra das máquinas.

- Papai vai voltar?

- Não sei, David. Só o tempo vai dizer. Só o tempo...

- Vai demorar para o tempo dizer?

- Não, sei, David. Não sei.

- A gente pode voltar no tempo?

- Não, David. Só os relógios. E os ioiôs.

Enfiada a mão no bolso, primeiramente sentiu-se um cordãozinho de lã. Em algumas puxadinhas, já se foi permitido sentir entre os dedos o objeto roliço e plástico. Derramando uma lágrima, David suspirou. Agarrando seu brinquedinho, voltou sua atenção para seus pés incessantes, movimentando-se sobre as engrenagens. E entre um suspiro e uma gota de lágrima, abandonou-o entre seus pés. Entre as máquinas. Entre as linhas do tempo.

E engrenagens pararam. E as máquinas pararam. E o relógio parou. E a torre parou. E o tempo parou. E tudo parou. E David? David sorriu. David matou o tempo!

1 comentários:

Anônimo disse...

ok, agora é oficial... preciso de um glossário de metáforas para continuar o espelho...

david não é o único personagem, até aí td bem. mas todos os outros são metafóricos, e eu não sei se perdi o feeling pras metáforas por causa da minha vida de só pesquisa científica, mas qualé, vá, brow! manda aí um glossário vá!

que que é a torre? e a vela? bom, gostei do final pq fiquei com a impressão de que, já que não dá pra voltar no tempo, então vamo matá-lo... lol

e o pai do david?! vai voltar? voltar de onde?!

seguindo para o capítulo 8, mas já com medo, porque se o nome é "o corvo", então lá vem mais um personagem metafórico pra me azucrinar o juízo!!! =P