Andarilho noturno


Enquanto o sol se reparte em trevas plúmbeas,
E a noite cai em meus braços pálidos...
Atravesso o fim de mais um dia ilógico
Deslizando estrelas em triste cadência
E raios lunares banhados de uma voz tão rubra!

Em perfeito movimento oscilante
Entre arcos helicoidais e traços vívidos
Esbarro-me em meus verbos paralíticos
Tão gélidos, tísicos e náufragos,
De um amor tão lúcido, porém raquítico.

Minhas mãos, tão trêmulas e límpidas!
De um mar tão mórbido e sólido
Que de inconseqüente me feriu o peito
Com suas ondas negras de um manto plácido
De uma noite tão cálida de tão fúlgida!

Do desespero surge-me a dúvida! Perdoe-me,
Sou filho de uma loucura hipocondríaca!
Do ódio público tão crescente e fértil!
Irmão de aberrações divinamente fétidas!
Pai de uma depressão tão fragilmente demoníaca!

Por que motivo racionalmente óbvio e mecânico
Vivo afogado em podridão entre feridos monstros
Tão irracionais! Que em prepotência irônica
Devoram-lhe impiedosamente os próprios filhos,
Criações tão cancerígenas e duais, pobres andarilhos,
Por uma fome de um amor tão hediondamente platônica?

Este horror tão imbatível incessantemente destrói-me o fígado!
Golpeia-me a alma, tão impura, tão triste, tão insípida!
Põe-me a fugir pelas sombras, à procura de meu túmulo,
Que ainda o cavo, o cultivo à luz morta do crepúsculo,
Sou ser vivo, mortal tóxico e minúsculo! Que pela noite
Vago doentio pela estrada, entre defuntos e trilhos!
Sou vagabundo, sou sonâmbulo... Sou andarilho!

O último botão de rosa para aquele hospital


Fite-me com teus olhinhos tão flamejantes
Tão vazios, tão cheios de melancolia
Confesse teu doce ódio por mim
Deixe-me ouvir teu silêncio mais uma vez
Escondido em tuas lágrimas cintilantes

Entre vocábulos perdidos e suspiros,
Perco-me entre o princípio, o meio e o fim,
Abrace-me os dedos, toque-me os lábios,
E caminhemos juntos, sem medo,
Sobre as entrelinhas.

Navegando em minhas horas
Distraído em meu sutil rastejo... E desejo
Caminho os dedos sobre a sombra
À procura de um feixe de luz,
Luz que me afastaria tamanha angústia
Que insiste em nascer a cada crepúsculo
Repartido em meias-palavras, botões de rosa
E um copo de cólera.

Minhas palavras desabam em escassez
Em emaranhados de consoantes e vogais
Esbarrando-se em pausas e elisões
Que se calam quando meus lábios
Em profunda morbidez se abraçam
E extasiados com o perfume da rosa tímida
Em profundo sossego me libertam!