O espelho - Capítulo 1: A casa

Para a maioria das pessoas, aquele sábado de julho era mais um dia comum. Mas para o pequeno David era um dia diferente. Era um dia de mudanças. Assim como grande parte das pessoas, David não gosta de mudanças. Naquela tarde o garoto mudava da zona sul da capital para uma bonita e espaçosa casa no campo. Não era bem o que ele desejava, mas tinha em mente que independentemente de sua vontade teria de ser assim. Portanto, aceitou calado as decisões dos pais, que estavam se separando.

- Vai ser melhor assim, meu bem. – disse sua mãe, carregando algumas sacolas, ao perceber que seu filho parecia chateado.

Não era apenas aparência. O menino estava sentado no canto da sala vazia com os braços cruzados e com o olhar centrado no vago. Não queria sair dali. Tinha o receio de não encontrar diversão alguma no campo. Apesar de não ter amigos na rua onde morava, era gostoso viver ali. Amava seu quarto! Seu pequeno cômodo, suas paredes azuis, o teto enfeitado com estrelinhas brilhantes e naves espaciais... Enfim, aquele seu mundinho. Porém, como eu já havia dito antes, tudo aquilo ficaria apenas em sua memória, a partir daquele dia.

No fim da tarde tudo já havia sido colocado no caminhão de mudanças. O garoto não estava mais ali, no canto da sala. Estava estático, na porta de seu quarto, despedindo-se de seu antigo passatempo. A mãe o chamou, observando-o no início do corredor. Ele permaneceu ali por alguns instantes, enxugou uma lágrima que escorria por sua delicada face e se retirou. Veio ao encontro de sua mãe, que o abraçou e juntos foram para o carro. Todas as janelas fechadas. Já estava escurecendo. Enquanto a mãe trancava a porta de entrada da casa, a criança, agora dentro do carro, continuava admirando o que era seu lar, com os olhos avermelhados, brilhantes. A mãe entrou no carro. O veículo acelerou.

David não era uma criança comum. Ele se sentia bem sozinho. Era de sua preferência. Gostava de sentir o silêncio ao lado de seus brinquedos. Passou grande parte de sua contínua infância dessa forma. Às vezes ia à rua girando seu ioiô à companhia de seu tio predileto. As crianças o chamavam para brincar. Ele sempre recusava. Queria estar ali com seu tio, apenas. Sentia-se diferente das crianças de sua idade. Ele não sabia dizer o porquê. Na verdade ele não dizia. Não gostava do ato de dizer. Não me refiro apenas a seu comportamento em relação às crianças. Falo dizer de qualquer modo. O ato de dizer em si. Para ele falar causava a quebra do silêncio. Mas ele amava o silêncio. Sorria ao sentir o silêncio! Creio que não há mais dúvidas de que David não era, digamos, uma criança de oito anos qualquer.

O caminhão de mudanças ia seguindo o carro de Júlia. A chuva fina, destas que molham aos poucos, caía sobre aquela cidade. David observava o movimento incessável do limpador do pára-brisa e a janela lateral embaçando aos poucos. Passeando seus dedinhos na vidraça, o menino escrevia seu nome. Procurava-se entreter de alguma forma. Ainda pensativo, despedia-se da antiga casa em seus pensamentos. Tinha a forte impressão de que detestaria o novo lar. Em alguns instantes, David cansou de escrever seu nome e resolveu admirar a paisagem. Via as montanhas bem distantes. Sorriu. Era amante da natureza...

6 comentários:

Anônimo disse...

Valeu pela homenagem, cara, e parabéns pelo belo trabalho descritivo. O leitor se sente como se observasse de perto o gurizinho.

:}

Mii disse...

Nossa...vc ke escreve esses textos e poesias?

se for, vc tem futuro viu, garoto?

Bom Domingo

Anônimo disse...

poxa, se vc nao fisesse letras concertesa daria um otimo cineastra...
seus contos alem de muito criativos sao descritivos que soh vey! ha vlw ai, meu aniversario eh em julho e e tenho "estrelinhas brilhantes no quarto"
hahauahauha

Anônimo disse...

Como posso falar...
Um inicio pequeno e simples, mas com um contexto bem misterios...(Pelo menos pra mim, neh)...
Sempre admirei seus contos e sua consciencia de viver e analisar as coisas.

Abraços...Pablo Honey

Anônimo disse...

Gostei do personagem, e das descrições detalhadas estilo "j. r. r. tolkien" ou "stephen king", que escrevem já para transformar em filme dps. Agora, o comportamento final de David enquadra-o como uma criança normal... O que eu achei legal. Mesmo não sendo como todos os outros garotos de oito anos, ele mostrou algo inerente à toda criança: mesmo não gostando da ideia de se mudar, ele foi cativado por algo de que ele gosta (a natureza), ainda que pertencente ao espaço futuro que ele repudiava...

[Dji]

Anônimo disse...

''Ele sempre recusava. Queria estar ali com seu tio, apenas. Sentia-se diferente das crianças de sua idade. Ele não sabia dizer o porquê. Na verdade ele não dizia. Não gostava do ato de dizer. Não me refiro apenas a seu comportamento em relação às crianças. Falo dizer de qualquer modo. O ato de dizer em si. Para ele falar causava a quebra do silêncio. Mas ele amava o silêncio''

Nesse trecho,adorei o jogo que você fez com as palavras...isso me lembrou muito o jeito da Clarice Lispector escrever. OLha esse jogo de palavras que vc faz, para mim se chama instrospecção por que faz com que o leitor queira ler e entender ainda mais o seu texto.

''Em alguns instantes, David cansou de escrever seu nome e resolveu admirar a paisagem. Via as montanhas bem distantes. Sorriu. Era amante da natureza...'' esse trecho foi excelente.
Ao meu ver, é como se todas as palavras antes trancadas em algum canto entre a garganta congestionada por um cubo de gelo e o peito se diluíssem no David, toda aquela vontade que ele tinha de não ir embora dali evaporasse.

Depois comento mais!:D

Ah, o jeito como te comparei com a Clarice foi um grande elogio, pois, ela , a Lígia e a Virginia Woolf são as minha favoritas :D

Luciana Almeida