O espelho - Capítulo 3: O vento

Por alguns segundos, David permaneceu estático. Observava a maçaneta prateada, imaginando o que haveria do outro lado. Sorriu. Finalmente decidiu abrir a porta e acabar de vez com a curiosidade que o dominava. Antes que tocasse o objeto prateado, a porta abriu sozinha. O menino arregalou os olhos e levemente abaixou suas delicadas mãos. Adiantou o pé direito e lentamente tocou-lhe os dedos da mão esquerda sobre o caixão da porta, esticando vagarosamente a cabeça a fim de enxergar o que havia naquele cômodo. Em vão. A escuridão era plena.

- David! David, meu anjo, por que você nunca me atende, meu filho? Eu já falei para você ficar lá embaixo comigo. – ouvia-se a voz da mãe e seus passos sobre as escadas

O garoto nem hesitou. Deu o segundo passo adentro do recinto e ali ficou por uns instantes, respirando o silêncio.

- Ai, meu Deus! – elevou Júlia o tom de voz – O que fazes aí nesse escuro, mãezinha?

Júlia, ao chegar ao segundo andar, observou o largo espaço que lá havia, e se apressou na expectativa de achá-lo em um dos dois corredores. Direcionou-se ao canto esquerdo. Bateu à primeira porta. Estava trancada. Avistou bem próximo às cortinas, um feixe de luz que ali brincava.

- Então queres brincar de esconde-esconde, não é, meu anjinho? – aliviou-se a mãe imaginando que o menino estivesse querendo ganhar sua atenção – Então lá vou eu.

No escuro, David retirou seu ioiô do bolso e se abaixou. Com a linha entre os dedos, deslizou cuidadosamente o brinquedo pelo chão. Não ouviu barulho algum. Engatinhando, foi seguindo o barbante, até encontrar o objeto, enroscá-lo com o fio e mais uma vez arremessá-lo.

A mãe, chegando à última porta, brincou, aumentando o tom de sua voz:

- Hum... Será que esse danadinho está aqui? Eu vou abrir a porta para descobrir...

A fechadura travou. Tentou girá-la e balançou a porta. Feriu levemente o polegar. Gemeu, sacudindo os dedos rapidamente.

- David, pára de brincadeira! Sai logo daí, que este lugar é perigoso, menino!

Após mais um arremesso, o ioiô atingiu algo próximo. Engatinhou novamente, seguindo o fio, e achou o que tanto desejava. Levantou-se, e como se fosse cego estendeu os braços aos poucos até tocá-lo. Apalpou. Era algo plano. Continuou o que fazia, caminhando para a esquerda. Tocou os ombros em algo macio. Resolveu tateá-lo, também. Parecia uma cortina. E atrás da cortina, uma janela. Uma janela de madeira, sem vidro algum. Retornou à parede, era gostoso tocá-la. Ao tocar em seus bolsos, lembrou-se de que havia esquecido o seu companheiro. Foi à sua busca. Caminhando, sentiu tê-lo chutado. Abaixou-se e não tardou para que ele o achasse. Ergueu a cabeça. Sentiu algo brilhante perante seus olhos. Era a parede macia. Ela brilhava. Não era um brilho qualquer. Era um brilho fascinante! Entorpecente. David permaneceu ali, entorpecido. Não sabia por que aquela parede brilhava, muito menos por que ela o fascinava tanto. Para ele, o porquê em si pouco importava. Não lhe interessava o saber, ao menos naquele instante. Interessava o sentir.

Levemente, as cortinas alisaram seu rosto. A luz que vinha da noite escondeu-se ali no sótão, e ao tocar a bela parede, refletiu-se ali e iluminou suavemente o pequenino. David se virou e abriu a cortina mais próxima, permitindo que a luz entrasse pelas frestas. Em seguida, fez o mesmo com as outras.

Suada, a mãe gritava. Preocupada, muito preocupada. Clamava o nome do filho, mas ele não atendia ao chamado. A porta insistia em não abrir.

Ali, no cantinho daquele cômodo, algo chamava a atenção. O pequeno se aproximou. Comprimiu os olhos, mas nada conseguiu enxergar. A luz ainda era insuficiente. O menino ficou intrigado. Resolveu abrir as janelas. Elas eram pesadas, mas com muito esforço ele conseguiu. O céu estava lindo. As estrelas fizeram-no lembrar do seu antigo quarto. Sentiu saudades. Só não sabia se isso era bom ou ruim. Uma brisa, dessas bem suaves, beijou seu rosto, fazendo-o sorrir.

Após muito insistir, a porta cedeu. Júlia aliviou-se um pouco. Ao olhar para a escada apressou-se. Subiu os degraus com passos apressados e no meio do caminho avistou mais uma porta, que estava semi-aberta.

Aos poucos, a força do vento crescia. As cortinas se agitavam cada vez mais. De braços abertos a criança fechou os olhos.

A mãe chegara ao topo da escada.

- David?

Impiedosamente, o vento adentrou o sótão. Violentamente, a porta foi fechada. Júlia foi arremessada para trás. Contra a parede. Caiu no chão em seguida...

3 comentários:

Gustavo Monteiro disse...

E mais uma vez as reticencias! Ráfael, é melhor parar com isso ou vou ficar sem unhas..! so o que tenho a dizer é:
DARIA UM BELO FOLME NÚMERO 2
P.S.: estou guardando meu melhor comentário para o final!
Sucesso!

Dji disse...

já imagino o guri como um gênio, só pelo lance do ioiô.

e cá entre nós, "sentiu saudades. só não sabia se isso era bom ou ruim". fiquei fã disso.

^^

Anônimo disse...

a resenha crítica do capítulo 3 se resume às duas frases que já estão no meu comentário (mega antigo, nem lembrava mais dele...):

1. o guri é um gênio, pelo lance do ioiô... e 2."sentiu saudades. só não sabia se isso era bom ou ruim", saca aquela simplicidade em dizer algo que é universal? saudade é e sempre será um sentimento ambíguo, universalmente conhecido - embora só nós brasileiros tenhamos a melhor palavra para designá-lo! o/