- Amigos, vamos à praia?
Ainda que o clima fosse
inapropriado para esse tipo de programação, tendo em vista que era uma quarta-feira cinzenta em pleno mês de
julho, nós quatro não abandonamos nossa desejada programação.
Organizei-me e desci as escadas
para buscá-los em meu saudoso vermelhinho. Chegando à portaria, aguardei uns
minutos até que os três descessem e enfim fôssemos a nossa praia. No carro,
risadas e música alta, apesar de o vento frio lá fora pedir um Djavan em casa,
afinal, um dia frio pede um bom lugar para ler um livro.
Atravessando a orla, a chuva
desabou torrencialmente sobre a cidade, e hesitamos em retornar para casa. Não
acordamos cedo para nada, decidimos. E ainda assim, seguimos. Por sorte, ao
descer do carro, a chuva acabara de dar uma trégua e pudemos adentrar o
quiosque do França sem nos molharmos.
Uma decisão era certa: naquele
dia não haveria banho de mar.
O cenário era pós-apocalíptico. A cidade estava cinzenta e silenciosa naquela região e quatro amigos conversavam sob um guarda-sol, cuja função era outra naquela circunstância: proteger-nos da chuva. Pastel e água de coco, como de hábito. Pouco tempo depois, decidimos voltar para casa, posto que o tédio se instalou entre nós diante das limitações que a natureza nos impusera logo que amanhecera.
Deixei-os em casa e retornei
disposto a sacrificar alguns reais em troca da comodidade de não cozinhar ou
lavar pratos. Banhei-me e almocei num restaurante perto de casa, para logo
retornar e descansar o restante do dia.
Fim de tarde. Vamos jogar futebol
de botão? Eu sabia que ele não resistiria ao convite. Jogamos, e reconheci,
ausente em modéstia, que ainda manjo muito bem do jogo. Goleei meu amigo e
adversário por vezes seguidas, até sentir calafrios.
- Você está bem? Você está
pálido.
Pedi licença e corri para o
banheiro. Mal estar, palidez, sudorese e tremedeira. Vômito, muito vômito.
Senti a alma tentando sair do corpo boca a fora à medida que eu me ajoelhava
perante o vaso sanitário.
Diante do incidente, desculpei-me
e despedi meu amigo que há pouco chegara. Mas ele compreendeu, desejou-me
melhoras e partiu.
Tomei um banho gelado e deitei,
na esperança de ficar bem no dia seguinte. No entanto, tive uma madrugada
bastante difícil. Acordei com calafrios e dores muito fortes no corpo. Ao passo
que suava, tremia de frio, a ponto de gemer. Corri para o banheiro
mais de uma vez para vomitar novamente, e sentia meus órgãos internos doerem
muito toda vez que isso acontecia.
- Meu bem, você não vem hoje?
Melhore, para que você possa estar aqui no domingo.
Confesso que logo pela manhã essa mensagem me
chateou bastante. Sozinho e acamado, criei a expectativa de que eu receberia os
devidos cuidados esperados em um relacionamento amoroso. Todavia, não foi o que
aconteceu. Mais uma vez, diga-se de passagem.
Por outro lado, atendendo às minhas expectativas, o celular tornou a vibrar. Não era ela. Eram elas.
Conheci-as dez anos atrás, numa escola onde trabalhei. Por vezes até esqueço que foi lá que iniciamos nossa amizade, posto que a vida durante os anos já nos proporcionou inúmeros momentos alheios àquele ambiente ou a qualquer pessoa relacionada a ele, de forma que é raro associar nossa amizade ao trabalho.
- Amigo, você está bem? Está se
hidratando? Como você está fazendo para comer? Tem alguém aí com você? Estamos
indo aí.
Assim que souberam que estava
doente, ambas lançaram uma bateria de perguntas a fim de ter uma
noção do meu estado e se mobilizaram para virem aqui. A casa estava uma
verdadeira zona de guerra, mas não havia condições de eu organizar o que quer
que fosse.
Não tardou para que chegassem.
Arroz, purê de batata, franguinho
com pouco sal, soro e água de coco. Tudo o que eu precisava. Elas adentraram
derramando sobre mim um olhar fraternal de preocupação e um sorriso de
satisfação simplesmente por estarem ali comigo. A comida, diferente de minha
sala, estava toda arrumada em compartimentos de uma vasilha mimosamente
colorida. O suco fora servido em um copo da Liga da Justiça que fiquei tentado
a não devolver dias depois, e a água de coco e o soro em jarras cuidadosamente
fechadas.
De repente, uma delas já estava lavando os pratos da pia, o que me deixou ao mesmo tempo feliz e envergonhado pela bagunça. A outra ficou do meu lado, pediu que eu permanecesse deitado e enquanto me perguntava como adoeci, me explicava carinhosamente como deveria proceder nas minhas refeições.
Foi uma visita rápida, cujos detalhes foram suficientemente marcantes para aquecer meu coração e contribuir para a cura de minha enfermidade.
Não podemos demorar, eu vou trabalhar e ela vai estudar. Fica bem, viu?
Eu respondi com um sorriso e
balancei a cabeça, positivamente. Recebi abraços amorosos e desejo de força,
acompanhado da garantia de que tudo ficaria bem.
E ficou. Não havia como não
ficar, afinal. Amor, muito além de palavras, é companhia.
Amor é tempo.
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