Luíza: Parte 4 (Final)

A freira olhou para cima do guarda-roupa e assustou-se: Era Luíza. Mas não era apenas uma, eram quatro “Luízas”: uma recém nascida, outra pequenina de apenas quatro anos, outra com um terço nas mãos, esta com treze anos, e a última era Luíza depois de morta, pálida, com os cabelos em frente a seu rosto e um crucifixo em seu pescoço.
- Quem são vocês? O que querem?
- Somos o nascimento, a infância, a adolescência e a morte. – disse a quarta Luíza
As três primeiras imagens desapareceram e a última prosseguiu:
- Esqueceu de mim, vovó? Há menos de um ano você dizia que me amava como amaria uma filha e que nunca me esqueceria. Pelo jeito você mentiu.
- Não estou entendendo. Diga-me quem és, por favor.
- Sou Luíza, a pequena freira que foi assassinada dentro de um elevador. Não está lembrada? – disse Luíza com uma voz rancorosa
- Filhinha! Você está viva! Desça já daí e me dê um abraço! – lacrimejou Heloísa
- Falsa! Você não me ama! Não deve nem mais lembrar quem sou eu!
- Não diga isso, querida! Você não sabe o quanto eu sofri após a sua morte.
- Duvido. Está tentando me enganar assim como o Lucas me enganou.
- Quem é Lucas?
- Não posso te contar. Se fizer isso nunca descansarei em paz.
- Este homem que você está falando é o assassino, não é? Onde está o desgraçado? Diga-me! – berrou a carmelita
- Não posso.
- Por que ele fez isso?
- Vocês me reprimiram! A culpa é dele e de todos vocês! Se vocês não reprimissem seus ditos filhos meu fim poderia ser outro! – entregou-se a menina ao choro – Eu poderia estar viva...
Ao terminar de falar a garota fez cara de espanto
- Cuide bem de suas crianças! Não deixe que elas terminem iguais a mim! Por favor, dêem a elas o direito de sentir prazer. De realizar seus desejos... Por favor. – chorou mais ainda.
- Por que está dizendo isso?
- Ele está chegando.
- Quem? – desesperou-se Heloísa
- Ele!
Antes que a senhora pudesse obter alguma resposta a imagem da jovem desapareceu e ouviu-se um batido na porta do quarto. Com o nervosismo à flor da pele Heloísa cobriu as crianças com um cobertor. Devagar ela abriu a porta. Estava muito escuro lá fora. Antes que ela saísse do cômodo sentiu o silêncio ser quebrado por uma voz sarcástica:
- O que fazes acordada a essa hora, Heloísa? Está sem sono?
- Quem está aí fora? – apavorou-se a freira
Ninguém respondia. Lentamente a porta era fechada e o pensamento da mulher era tomado pelo medo. Afinal, o que estava acontecendo? Nada parecia se encaixar. Cabisbaixa e pensativa, tudo na cabeça dela parecia embaraçado. Estaria ela ficando louca? Como se não bastasse tudo isso, percebeu-se a presença de uma quarta pessoa no dormitório.
- Parece cansada. Por que não tira um cochilo? Tem medo de este ser o seu último?
- Diga-me apenas quem és e vá embora. – disse a carmelita sem olhar para trás
- Ué! Sou um padre, ora. O que queres mais saber?
- O que você faz aqui?
- O mesmo que você, querida. – sorriu o homem
- Aqui não moram padres! Acha que eu sou idiota o suficiente para cair nessa piada?
- Como és corajosa! Sinto firmeza em sua voz.
- Vá embora! – virou-se ela e o encarou – Mas antes me diga quem é.
- Sou Padre Lucas, e a bela senhora deve ser Heloísa, estou certo?
- Lucas... Lucas... – sussurrou para si mesma
- Não gostou do meu nome?
Com os olhos cheios de ódio a freira deu um tapa na face do homem.
- Por que fez isso? – sorriu ironicamente Lucas
- Assassino! – repetiu ela o ato
- Do que está falando, velha louca? – gargalhou ele sutilmente
- Eu lhe mataria apenas com um olhar, homem desgraçado! Deveria estar ardendo no fogo do inferno, sentindo o calor abrir sua pele aos poucos, seu verme!
- Nossa! Acho que encontrei alguém pior do que eu. – riu ele novamente – Por que tens tanta raiva de mim? Onde está o amor que sentia por mim?
Ao terminar de falar Lucas tomou outra forma: estava um pouco mais velho (aparentava agora cinqüenta anos), cabelos ainda grisalhos, óculos na ponta do nariz, trajava um casaco vermelho e uma calça preta e tinha um livro em mãos.
- Beije-me, meu amor. O nosso último beijo.
- Arthur? É você, meu amado marido? – disse Heloísa com os olhos cheios d’água – Faz quinze anos que você se foi. Por que me deixou aqui sozinha? Por quê?
- Era minha hora, meu doce amor.
- Arthur... Meu amado Arthur! Esperei por tanto tempo... Você nem imagina.
- Agora a barreira do tempo está quebrada, meu bem. Apenas me beije.
Aos poucos as cabeças se aproximavam e os lábios estavam prestes a se tocar. Antes que eles se beijassem ela recuou.
- Não posso. Por mais que eu te ame eu não posso.
-Mas não é isso que você deseja?
- Sim, mas não é isso que eu farei!
Voltando à sua forma original e bastante furioso o padre disse:
- Eu voltarei, fique ciente disso. Quando você menos esperar estarei ao seu lado. E lembre de cuidar de suas crianças...
- Estarei esperando.
Lentamente a imagem do homem sumiu do aposento, causando alívio em Heloísa. Esta saiu do cômodo e o trancou. Desceu as escadas em passo acelerado, levando consigo um punhal que achara no quarto em que estava. Não demorou muito para ela chegar à saída do convento. O que faria fora dali durante a madrugada? Queria chegar à cidade. Estava com pressa, mas sua idade não a deixava correr, portanto foi ela paciente. Demorou quase uma hora para chegar ao lugar desejado, mas ao menos chegou antes do amanhecer. E lá estava seu destino: o prédio mais belo da zona mais rica da cidade. Entrou no edifício sem muitos problemas, afinal, o porteiro dormia na guarita.
Ao chegar frente à porta do elevador respirou fundo, abriu a porta e entrou. Pressionou o botão que indicava o nono andar. Aos poucos imagens se formavam frente a ela: eram Luíza e Lucas. Ele tentava beijá-la, mas a menina o repelia. Devagar ele se aproximava e logo a jovem se rendeu. Antes que o beijo acontecesse Heloísa começou a rezar:
- Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Vosso nome, venha nós ao Vosso reino...
Isso indignou Lucas. A imagem da menina permaneceu parada como uma estátua:
- O que fazes, velha imbecil?
-... Seja feita a Sua vontade...
- Pare com isso agora! O que pensa que está fazendo?
-... Assim na terra como no céu...
Lucas tomou novamente a imagem de Arthur e tentou beijá-la.
- Entregue-se a seu amado, minha bela! Renda-se ao amor...
Com os olhos fechados ela mordia os lábios e, suando frio, continuou orando baixinho:
-... O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as nossas ofensas...
- Ninguém vai ficar sabendo. Eu sei que você ainda me ama, portanto me beije. Vamos, se entregue ao amor!
-... Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos têm ofendido...
- Não adianta! Tuas orações não vencerão a mim e nem a seus desejos reprimidos.
-... E não nos deixei cair em tentação...
- Isso já está me irritando... – aproximou-se o pároco
Heloísa lambia os lábios e vagarosamente sentia a respiração de Arthur tocar sua face, entretanto, a três centímetros do beijo ele deitou-se bruscamente sobre os ombros dela ,que friamente cochichou no ouvido dele:
-... Mas livrai-nos de todo o mal...
Afastando-se, Lucas, com os olhos arregalados e a boca cheia de sangue, retomava sua verdadeira forma.
- Como pôde fazer isso comigo?
Heloísa cravou no peito dele o punhal que trouxera do convento. Tonto, ele caiu encostado na parede, sujando-a com sangue. Havia um corte profundo em seu peito em forma de cruz.
- Nos vemos no Inferno! - despediu-se ele
-... Amém!
Ao Heloísa dizer esta última palavra o ascensor despencou em altíssima velocidade, chegando rapidamente ao térreo, lançando a senhora porta a fora. A carmelita obviamente desmaiou e só acordou às oito horas da manhã, quando foi socorrida por uma ambulância que fora chamada por pedreiros que seriam responsáveis pela derrubada daquele prédio que estava às ruínas.
Aliviada a carmelita disse a si mesma: “Acabou”
Enquanto era carregada numa maca a freira observou caminhando perto dela a pequena Luíza que sorriu dizendo:
- Obrigado.
Três rapazes carregaram-na para dentro da ambulância, fizeram alguns curativos e a deixaram em casa. Ao chegar lá, perto do meio-dia encontrou Allan, em sua cadeira de rodas, acompanhado de Lúcia. O menino a abraçou e perguntou:
- Posso brincar com ela, vó?
- Pode sim, com quem você quiser.
O menino paraplégico e a pequena cega deram as mãos e foram ao pátio junto à Irmã Lúcia.
A partir daquele momento tudo passou a ser diferente: ao menos por enquanto...

3 comentários:

Dimi disse...

Eu disse que viria...
Você tenta confundir os leitores com o passado, o presente e o futuro se misturando é?
^^
Adorei!
Abraços...

Künzang Yeshe disse...

Parabéns pelos textos, camarada.
Um abraço,
Nelson

Anônimo disse...

foi a melhor história de suspense q eu ja li ...seriu!!!!!