O
vento fresco e preguiçoso arrepiava a costa larga da erma praia à luz da aurora
renascente enfeitada pelas nuvens de algodão rosa que passeavam pelo céu de baunilha.
O arrulhar dos pombos que ora brincavam, ora brigavam entre si à procura de
alimento ecoava pelo vazio, misto ao coro das águas que forravam a areia macia
e úmida. Como as teclas de um piano as ondas se sobrepunham umas sobre as
outras sob o respirar divinal que as conduzia para frente e para trás.
O
incessante louvor era ministrado pelas águas que se aqueciam pelo sol nascente,
cujas línguas de fogo repousavam sobre a maré baixa. O sopro quente e invisível
agitava os grãozinhos de areia que se dissipavam pelo ar litorâneo dissolvendo-se
no azul da aquarela daquela manhã que surgia.
O
Silêncio pairava sobre as vagas entreabertas, deitando-se pelas mornas espumas
de sal que se formavam e logo se desmanchavam no encontro com a areia fina e
esbranquiçada. Num suspiro suave, as ondas tornavam a adentrar o oceano,
desnudando a praia em sua quietude, e assim sorrateiramente, num beijo mais
demorado, o mar pudesse invadi-la em sua intimidade, amaciando-lhe a areia e refrescando
sua costa nua.
Como
um casal apaixonado que celebrava as núpcias a cada amanhecer, mar e praia desfrutavam
de seu eterno amor. Como uma mão aveludada, os dedos de sal escorregavam pelo
tapete arenoso, a encontrar um pequeno castelinho de areia.
O
muro que protegia as dependências do castelo era dotados de elegante singeleza,
bem como a formosidade com a qual as torres foram erguidas. Adornado com pequenas
conchas que reforçavam a proteção contra investidas inimigas, o muro alto
resistia aos sopros matinais, bem como ao confronto das espumas. Sendo assim, o
átrio externo não inundava, deixando a salvo a cavalaria guardada nos estábulos.
Ao
passo que a manhã se estabelecia no azul celestial, a faixa de areia se encurtava,
e, não fosse o corpo deitado em sua volta, o castelinho certamente desmoronaria.
A
água morna e agitada não fora suficiente para acordá-lo, posto que se
encontrava em sono profundo. O castelinho era protegido como um pai a um filho
recém-chegado, posto que, adormecido em torno de sua criação, seu corpo formava
uma barreira suficientemente eficaz.
A
maré, por sua vez, seguia avançando, alagando os entornos do castelo. Enquanto
ela subia, num breve respirar, aquele que descansava o rosto na areia aspirou
água por seu nariz e boca, acordando assustado em breves espasmos. Seus olhos entreabertos
assistiam o mar diluir seu castelinho, com a ajuda de uma pomba branca que buscava
alimento entre as conchinhas que protegiam seu muro.
Lentamente,
ele sentou à areia, frente ao mar, sem se importar se encharcara sua camisa
branca agarrada ao seu corpo, ou se manchara seu casaco azul com a lama que se
formara após a invasão da maré ao seu território. Admirava, sentado, a perfeita
simetria cuja linha que separava os dois eixos encontrava-se no horizonte da
imensidão do mar. O Sol aquecia sua face alva, secando-lhe os cabelos negros
que, cacheados, adornavam-lhe a fronte.
Levantou-se,
sem desviar a atenção um segundo sequer do movimento das vagas que iam e
vinham, incansavelmente. Caminhou, a passos lentos, abandonando sua construção
desmanchada no coração da praia. O mar na areia esbranquiçada desenhou uma trilha
que refletia o azul celestial, como uma enorme cobra de vidro que o guiava, de
modo que, sem pressa, ele percorria seu caminho sem deixar vestígios de sua passagem.
E
seguiu viagem. Para onde, ninguém sabia dizer. Apenas o Silêncio que se esvaía
junto a suas pegadas e subitamente se deleitava no gotejar das suas mãos
molhadas, ou ainda no bater das asas da pomba que alçou voo e pôs-se a
acompanhá-lo de longe, em seu caminhar que ele realizara a esmo incontáveis
vezes desde que ele ali estivera pela primeira
vez.
2 comentários:
Ansiosa pela continuação dessa aventura!! ❤️❤️❤️
Fã do primeiro livro, animado com a continuação.
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